ColunistasCOLUNISTAS

Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Não é melhor estar segura do que arrependida

17/12/2018 - Piracicaba - SP

Ontem mesmo eu disse que iria embora. Estava a três dias da viagem e, como sou péssima para despedidas, apenas falei que a queria naquela noite. Sem pretextos, sem delongas. A vida nos garante apenas passagem de ida e, pela primeira vez, senti o que é ter apenas um ticket em mãos. Eu sei que vou voltar, mas, na incerteza do retorno, apenas lhe disse que não vale a pena a segurança se ela nos abdica dos riscos. A dor da saudade é o paradoxo mais bem desenhado do bem vivido. Melhor tê-la a enfrentar a possibilidade do evitado.

Já no aeroporto, lamentei pela insegurança. Regurgitei o que gostaria em goles secos de uma água vendida a preço de ouro antes do voo. Acendi o último cigarro antes de partir e, numa despedida simbólica do que deixava para trás, coloquei a carteira recém comprada no lixo, mentalizando ser aquela a última tragada da velha história em pensamento. As antíteses da atmosfera daquela tarde traziam-me, por teimosia, um rosto intimamente desconhecido à frente, daqueles capazes de sentenciar a maior ilusão das vidas vividas em paralelo. Afinal de contas, quem nunca viveu o seu próprio mundo sem comentar os bastidores não sabe o que é desfrutar das desventuras de um cérebro preenchido pelas estupidezes do coração.

Na sala de embarque, percebi o olhar fixo de uma mulher com algumas malas fazendo barreira em frente aos seus pés, numa metalinguagem expressiva sobre a impossibilidade de voltar atrás. Dentro delas, no entanto, arrisco que estavam guardadas algumas sentenças do peito, à moda de quem não consulta o relógio para despir-se das próprias seguranças. Invejei sua serenidade saudosa, resplandecendo, pelos olhos, a certeza de que nada deixou de ser vivido. Nem o amor profundo com prazo de validade estampado na passagem.

Eu, no entanto, estava prestes a estrear a esteira do mundo. Sem roteiro estabelecido, aberta às encrencas dos desafios logo à frente, embora extorquida pelo amor enferrujado e insólito na garganta. Foi então que decidi continuar levando todas as profusões sabotadas em pacote de presente, embrulhado com os versos das sensações que nunca poupei. Nesse momento, percebi que mais vale não estar segura do que estar arrependida. A mordaça da razão nunca sucumbe às tempestades das sensações - o que, cá entre nós, poupa um tanto de sentido e significado, daqueles que pedem carona na beira da estrada.

O meu primeiro até logo estava materializado em minhas mãos. Mesmo que com medo do tempo que percorreria aquele instante em diante, desembrulhei o entulho dos riscos e sucumbi à incerteza do retorno. O tempo, esse velho amigo e inimigo das temperanças, faz com que as amostragens de destino se transfigurem em comodismos com vistas ao próximo voo. Eu estava no primeiro. Quando voltar, se voltar, quem sabe volte em outro tempo. Em paralelo e em outros perímetros, as possibilidades se reinauguram à medida que as perspectivas se atualizam. Seremos outras. Já somos diferentes.

 

THIANE ÁVILA.

 

Compartilhe no Whatsapp