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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Solstício de Elis

17/6/2018 - Piracicaba - SP

Era setembro, e as flores começaram a desabrochar com a vinda da estação mais carismática do ano. Apegada aos neologismos, Elis sempre buscou os avessos dos climas, das temperaturas e das literaturas. Sentenciada a viver no olho do furacão, sua sina sempre foi circunscrever as hipérboles das sensações, sofrendo por antecedência de alegria e tristeza. Amaldiçoada pela ansiedade, suas preocupações sempre tomaram posições ásperas em seus dias, sugando suas energias com a obsessividade de quem aprendeu a lidar com um transtorno desde muito cedo.

- Aos poetas - diz Elis -, são reservadas as terras da insanidade. Não há registro de produções geniais e premiadas que não tenham sido concebidas por cérebros romanticamente insanos. Notoriamente camuflados de normalidade apenas pelo semblante da arte. É como se recrutássemos os elementos socialmente aceitáveis para sermos loucos. A loucura descrita na poesia e na pintura é arte. Nunca seremos descobertos.

Embora sua aptidão sempre tenha sido a literatura, naquela manhã, negando seus próprios hábitos, era como se o movimento de seus olhos desenhassem, na imensidão azul, qualquer coisa parecida com eternidade. O alvo daqueles olhos pretos, por certo, estava estagnado em sua posição, completamente incapaz de mover-se. Ninguém se move à sentença de um olhar dela. É paralisante e sufocante. Transita sobre os detalhes do que vê, desmascarando e tornando óbvia toda a atmosfera que se tenta esconder. Elis é desconcertante com seu dom de silenciar os gritos, energizando, ao menor gesto, a moribunda realidade de quem não pretende estar, mas acaba ficando. Sua respiração canta com o assobio dos pássaros, transgredindo a liberdade em sua essência. Sou escrava de suas nuances desde que me tornei alvo de sua falta de palpites, da sua indiscrição incomodamente discreta. Com palavras ríspidas, Elis declama seus poemas psicossomáticos com a habilidade de quem inventou a rima.

Naquele momento, não tive coragem de interromper a sua contemplação sobre o nada. Em suas mãos, carregava um cigarro que ressoava as cinzas vagarosamente queimadas. Cantarolava suas brasilidades com a melancolia de quem havia achado, no labirinto oculto de quem não vê o que pensa, todo o pensamento transmutado pelo cenário do que via. Se fosse possível qualificar a intensidade de Elis, diria que tudo a ela excita e tudo nela é excitante. Dada a riqueza de detalhes com que me sussurra no ouvido tudo o que pretende fazer, escrever ou pelo simples fato de me acender, sempre sugiro que conte suas histórias, trazendo à luz as experiências que já viveu. Ao que ela me responde...

- Envolver-se com uma escritora é a melhor ou a pior decisão que alguém pode tomar. Feliz ou infelizmente, aquelas por quem já fui apaixonada estão eternizadas em meus escritos. Seu jeito de andar e de falar, o modo como os cabelos caem sobre os ombros e o jeito sutil como levanta a cabeça quando ri. Estarão para sempre registrados os timbres da voz, os olhares e o toque em meu corpo. Cada brecha de sentido, para quem escreve, é combustível para um livro inteiro. A única possibilidade de fugir da morte é quando se é amado por alguém que escreve.

 

THIANE ÁVILA.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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